Está uma
manhã fresca
no pátio cá de
casa.
Acordei e fui
ao supermercado comprar
aveia, e leite, e
pão, e ver o céu
azul, do cimo
da minha rua.
O céu desta
rua é diferente do
céu das estradas nacionais e
intenerários complementares
e autoestradas da
Beira Interior.
Na Beira Interior o céu é
mais aberto, mais forte, mais
violento. Menos
elegante, mas não menos
bonito.
As paisagens da Beira Interior
são bonitas.
É um facto que
viajar pelas estradas do Texas
é um sonho, mas
viajar pelas estradas da
Beira Interior sabe
à vida.
Estive na Beira Interior a
sentir o calor do sol a
cair-me no corpo; tenho
os ombros
ligeiramente encarnados, e
o peito
a barriga
os braços
as costas
as pernas
as mãos
os pés e
a cara
queimados.
Uma amiga disse-me que
este bronze passa
rápido; acho que
tem qualquer coisa que
ver com a falta de
iodo da água do
lago onde tomávamos
banho.
Estive a acampar num
sítio com pó, sol, e céu; também
houve música, luzes, e
.
Os meus amigos e eu assistimos ao
eclipse lunar — para o
jornalista, a lua parecia uma
bola de ping-pong, para o
auditor, esta visão era
o fenómeno natural
mais incrível que ele já tinha
presenciado, para a Vida do
auditor este cenário era
uma coisa muito bonita, e
para mim também.
Estávamos bem, os
quatro, estávamos mesmo
bem, se é que me
entendem, se é que
percebem e amam o
exercício desse belo vício que é
a amizade.
O acampamento acabou
no sábado, e eu acordei
na Beira Interior e arrumei
a tenda e a mochila e o
saco-cama na mala do
carro, e
fiz-me à estrada.
Pensei, enquanto
conduzia, que se estivesse em
Londres teria, dentro do
humilde escopo da minha
liberdade, talvez ido a
Battersea Park deixar-me cair
na relva, talvez tivesse decidido
correr, fossem qual fossem
os meus sapatos.
Depois teria “feito ruas” em
Chelsea, até ser de
noite, e andaria até
Temple Underground
Station, dançando uma
canção qualquer aleatória pelo
caminho, sabendo, sentindo e
apreciando o facto de isto
estar a acontecer, e
olharia para a lua quase
cheia, clara como a lua quase
cheia da Beira Interior, e
lembrar-me-ia de estar a caminho
da tenda, de noite, na
Beira Interior, a escutar a
emocionante calma que a
felicidade pode ter.
Mas agora estava a
conduzir, na estrada, sob
o céu azul, com uma canção da
Marisa Anderson a tocar no
rádio, e estava
a caminho.
Cheguei a casa e fui
tomar banho, tirar o
pó do corpo, cozinhar
ovos mexidos para o
almoço, vestir o
fato, pôr uma
gravata, voltar para o
carro e apanhar a
A8, para assistir ao
casamento de um amigo.
Encontrei na minha
mesa um italiano que
conheci há dezasseis anos
atrás, num curso de
inglês de Verão, em
Cambridge, quando eu sabia
pouca coisa para lá
de saber falar
inglês, mas sabia, pelo
menos, que era
um sentimental.
Voltei cedo para
casa, estava
muito cansado, mas
ainda assim fui
ler alguns
poemas, e depois
fui dormir.
E agora acordei, “ainda
“meio vivo / um pouco
ensonado / é mais ou menos
fácil entrar na vida
depois destas coisas”.
Está uma manhã fresca, e
aproveitei para juntar
canela por cima
dos mirtilos e das framboesas
e das nozes e das avelãs
e da(s papas de) aveia
e bebi a meia-de-leita
na chávena que era
do meu pai.