Senti
uma gota a sair-me pelo olho
direito, quando estava na
mota, a passar o terminal
de cruzeiros.
A culpa
é do vento que se faz sentir
numa madrugada de sábado em Lisboa
junto ao rio.
Vi dois tipos a cair ao chão
no Terreiro do Paço; estavam
a andar numa daquelas trotinetas elétricas.
A mota que me leva também é elétrica.
Já caí duas vezes
enquanto andava
em motas elétricas.
Reparo que há aqui
vários elementos em comum:
o número “dois”, o evento “queda”, a característica
“elétrica”.
A vida tem
destas coisas.
Mas depois, depois de acordar,
depois da mota, depois
da ingestão de um café barato, servido
em copo de papel,
estou sentado num grande corredor em
movimento, à
coxia, entre
as janelas
e as cortinas verdes
e iluminadas.
Fecho os olhos
enquanto o nosso país vai entrando e saindo, levantando e sentando-se
nos lugares, trocando
de carruagem, indo à casa de banho, descansando e vivendo
como pode, com
maior ou menor silêncio.
A senhora ao meu lado
está a ler uma revista
do género sensacionalista – sabes,
daquelas que falam
sobre a vida das pessoas famosas
os problemas das pessoas famosas, os
desejos das pessoas famosas
e outras coisas interessantes
sobre a vida e o mundo em
geral, como
por exemplo, o
que vai acontecer, ponto
por ponto, palavra por palavra,
i-psis ver-bis
no episódio mil cento e vinte e oito
da telenovela das dez e um quarto.
É terrível, chocante, apaixonante,
mesmo – nem queiras
saber
(mesmo).
As pessoas famosas ainda são
aquelas que aparecem na televisão.
Diz-me: ainda costumas ver televisão?
Eu vejo cada vez menos, praticamente só
quando janto sozinho
com a minha mãe.
Vejo jogos futebol e telejornais, séries
estrangeiras, policiais,
e depois costumo ir ler, ou
passear, dar
uma volta,
namorar.
Abro os olhos. Vejo
o dia a nascer
no Entrocamento.
O céu claro e as nuvens
cor de rosa
no Entrocamento.
Em Pombal
está um nevoeiro cerrado.
Vêem-se algumas árvores
e pouco mais.
Penso que a palavra
“invicta”
é um bom título para um poema
tal como as mãos são
um bom desejo, e
a vida o melhor
encontro.
Não tenho sono, talvez
não o volte a ter mais.
Pelo menos hoje.
Observo, na paragem na estação
o balastro, e os carris.
Vou tentar dormir
cinco
minutos.