No ano de 2018
aconteceu
muita coisa.
Para começar, aconteceram
os trinta anos de muito boa gente
incluindo os meus.
Li dois livros
do Ben Lerner
e escrevi algumas páginas
da minha tese.
Fiz a minha viagem de sonho; guiei
vinte e sete dias pela estrada, nos EUA
com mais três coitados
que acho que até se divertiram.
Aproveitei ainda para gravar
um podcast sobre o
sucedido.
No ano de 2018
editei um disco melancólico
fui com grandes amigos à
Idanha-à-Nova
dançar um pouco de transe
e fui com outros grandes amigos
a Paredes de Coura
curtir um indie rock maneiro.
No ano de 2018 vivi em
Ann Arbor, Michigan
e passei o Verão no
Minho, Paraíso.
Corri
quatrocentosetrintaesetequilómetros e
sessenta metros; fiz
algum exercício e muito pouco
iôga.
Escrevi
poemas
e postais
e poemas
que eram postais.
Vi
um filme da Agnès Varda
sobre pessoas e
fotografias
e uma obra-prima do Paul Schrader
sobre pessoas que lutam contra si mesmas
e flutuam
quando, num inesperado intervalo de vida, encontram
um sentido.
Tive muitos momentos de intervalo
no ano de 2018.
Passei-os a passear
a viajar ou a correr
a ler e a comer
ou então a beber
sentado num balcão de madeira
num qualquer bar americano
ou restaurante português
bem confortável.
No ano de 2018
fui a cidades a que nunca ninguém vai
como Belfast, Phoenix, e Groningen
e apaixonei-me
por Chicago
num fim-de-semana.
Fui consolado
por José Tolentino Mendonça
no jardim da Estrela.
Tive uma angústia grande
enquanto assistia a uma encenação universitária
das Bodas de Fígaro
em Ann Arbor; fechei os
olhos e
pedi ajuda.
De repente
estava tudo bem.
No ano de 2018 conheci
sem saber ler nem escrever
a Carol
e a vida
continuou a ser a mesma
só que melhor
muito
(mesmo
muito)
melhor.
Com muito mais
luz.
Entretanto nasceu
a minha décima sobrinha, que se chama
Clara, e o meu
primeiro sobrinho, que se chama
Vasco, foi para a universidade.
No ano de 2018 fez vinte anos
que o meu pai, Chico, morreu.
Tive cinco amigos a casar, entre os quais
a Isabel e o Paul
o Lux e a Jux
o Sergey e a Joana
a Drix e o Mike e
a Inês e o Manel.
Comprei um chapéu americano
e um carro italiano
que se foi abaixo ainda no stand
mas que depois até se portou bem
cruzando auto-estradas e itinerários complementares
deste bonito país em que vivo.
No ano de 2018
rezei muito, em casa e na missa, na
rua e no carro e
junto a árvores, em bancos
de jardim. Pedi muito, agradeci tanto
e aprendi ainda mais.
Continuei a dar aulas
investiguei sobre tecnologia
ouvi carradas de discos
e fui pouco à praia.
Prestei mais atenção do que o normal
ao céu.
O céu foi o meu mar
no ano de 2018.
Neste mesmo ano, o de
2018
fui num domingo à tarde
para dentro do tanque.
A água
gelada
e o sol
a queimar.
Havia
duas libelinhas a voar à roda, e
algumas folhas soltas
que boiavam.
Ajoelhei-me
aos poucos; fui mergulhando
até só me faltar molhar o pescoço
os ombros, e a cabeça.
Mergulhei
lentamente
tal como
acordei
lentamente
todos os dias
no ano de 2018
cheio de
espaço para saborear
o que há, aprendendo a receber
o que vem, apreciando
o que foi
enquanto leio as notícias e
tiro notas
e bebo uma chávena
de café com leite.
Às vezes
acho que foi tudo
um sonho
mas depois o café começa a bater
E lembro-me que tenho de trabalhar.
Antes de ir, penso
que todos os dias são gigantes
e todas as semanas são anos
todos os meses são vidas
e todos os anos são monumentos.
No ano
de 2018
houve muita, mesmo muita
vida.
Coisa
mais
boa.
(Santo Natal
e bom ano
maltosa. Vemo-nos
em dois mil
e
19.
In
té.)